Projeto

Baseado na Lei 10.639 de 2003, seguida da Lei 11.645, onde se tornou obrigatório o ensino de história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena no currículo da educação básica, a Escola Técnica Estadual Ministro Fernando Lyra (ETE MFL), em Pernambuco, pretende se debruçar sobre um tema pouquíssimo investigado: a presença de homens, mulheres e crianças, vítimas da escravidão, nos sertões de Pernambuco, durante os séculos XVIII e XIX.

Os escravos do interior de Pernambuco eram homens e mulheres, velhos, jovens, crianças e até bebês. Raros eram os que tinham algum sobrenome. A maior parte mesmo eram pessoas de um nome só. Muitos deles tiveram sua identidade alterada e ressignificada desde sua captura na África, passando pela travessia atlântica, até chegarem aos sertões de Pernambuco. Às vezes, nem pelo nome próprio (que receberam em português) essas pessoas eram chamadas. Despidos de sua humanidade, por vezes, eram meramente designados por “cabeças”, “peças”. Eram os marginais da sociedade, os párias, os ninguéns. Porém, nem toda desumanização é capaz de silenciar por completo suas histórias, suas individualidades. Nos próprios documentos da sociedade escravista aparecem vestígios sobre esses indivíduos.

Sabe-se pouquíssimo a respeito dessas pessoas que faziam parte das escravarias de diversos proprietários de terras no interior de Pernambuco. Quem eram esses indivíduos escravizados? Como viviam? Qual a ligação deles com a África e com o Brasil? Esses são os principais questionamentos da pesquisa que nos leva a investigar a presença de escravos com suas histórias e culturas nas regiões interioranas de Pernambuco, durante os séculos XVIII e XIX.

Nesse sentido, a partir da análise de fontes de pesquisa, procura-se municiar os alunos dos cursos de Marketing e Desenvolvimento de Sistemas da Escola Técnica Estadual Ministro Fernando Lyra na criação de um memorial digital que trará informações como o nome dos escravos, qualidades, idades, localidades e outros detalhes acerca dos cativos e do processo de escravidão. A partir da análise documental e da construção do banco de dados, os alunos desenvolverão competências e habilidades no que concerne aos procedimentos científicos e tecnológicos previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

No âmbito da pesquisa, o presente projeto contribuirá para a análise do escravismo em áreas do interior de Pernambuco. Há uma carência de estudos sobre o perfil dos escravos africanos e de seus descendentes nas diversas localidades do agreste e sertão. Pouco se conhece sobre as características dos diversos grupos de africanos que foram forçadamente introduzidos nessas regiões, assim como dos seus descendentes diretos ou mestiços que ali nasceram.

No que concerne ao ensino, o projeto de pesquisa contribuirá para pôr em prática o conjunto de competências e habilidades das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dentre elas:

  • • Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.
  • • Além disso, o projeto também abarca eixos estruturantes dos Itinerários Formativos. O eixo da “Investigação Científica”, por exemplo, visa: • Ampliar a capacidade dos estudantes de investigar a realidade, compreendendo, valorizando e aplicando o conhecimento sistematizado, por meio da realização de práticas e produções científicas relativas a uma ou mais Áreas de Conhecimento, à Formação Técnica e Profissional, bem como a temáticas de seu interesse.
  • • Acerca da atualidade e da contribuição social do tema, destaca-se que os estudos das histórias dos escravos do interior de Pernambuco são um fio condutor na (re)construção das identidades culturais dos atuais descendentes desses homens e mulheres escravizados no passado. Muitos desses descendentes ainda continuam a residir nas regiões do interior de Pernambuco, onde outrora seus antepassados foram fixados forçadamente, pouco conhecendo da história e cultura do seu povo.

O presente projeto visa desenvolver um memorial digital, objetivando armazenar e disponibilizar dados sobre a escravidão nos sertões de Pernambuco, Brasil, nos séculos XVIII e XIX. A equipe de pesquisadores, composta por professores e estudantes da Escola Técnica Estadual Ministro Fernando Lyra (ETE), introduzirá no sistema informações a respeito dos escravos e dos lugares de trabalho, proporcionando ao público em geral uma ferramenta de busca digital que contribuirá para o estudo desse período da História de Pernambuco e, consequentemente, do Brasil. Concomitantemente, o projeto oportunizará a inserção dos alunos da ETE no âmbito da pesquisa científica, na medida em que estes irão ter contato com documentos históricos primários, além das técnicas de desenvolvimento do banco de dados/memorial da escravidão.

  • • Desenvolver nos educandos do Ensino Médio da ETEMFL técnicas para a elaboração de um site na internet que servirá como um banco de dados/memorial digital.
  • • Identificar e analisar, em conjunto com os educandos da ETEMFL, fragmentos de informações acerca da escravidão, presentes na documentação coeva.
  • • Documentar, através da criação do banco de dados, informações sobre a identidade, história e cultura dos escravos que viveram no interior de Pernambuco.
  • • Disponibilizar para estudantes, professores, pesquisadores, instituições e demais pessoas interessadas acesso a informações da história da escravidão no interior de Pernambuco.

As fontes utilizadas consistem dos seguintes documentos: inventários post-mortem, testamentos (localizados no Memorial da Justiça/Tribunal de Justiça e no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano) e manuscritos avulsos da capitania de Pernambuco (localizado no Arquivo Histórico Ultramarino). Nesses tipos de documentos, por vezes, consegue-se saber as condições e qualidades dos escravos, seu nome, idade aproximada e o lugar da África de onde provinham (embora nem sempre fossem naturais do lugar de onde eram remetidos), entre outras informações. Desse modo, salienta-se que a reconstrução da trajetória e do cotidiano dos escravos é uma tentativa de identificá-los e situá-los na História. Sendo assim, baseamos-nos teórico-metodologicamente no paradigma indiciário usado pelo historiador italiano Carlos Ginzburg, que nos permite enveredar nos resíduos sobre dados de uma documentação fragmentada acerca de determinado tema. Além disso, tomamos a micro-história como ângulo que nos permite analisar o âmbito local e regional da capitania/província de Pernambuco em sintonia com os demais espaços do Brasil, nos séculos XVIII e XIX.

DE CARLI, Caetano. O escravismo e o sertão de Pernambuco. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, n. 68, p. 77-122, 2015.

FÉLIX, Loiva Otero. História e Memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: UFP, 2004.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

LEVI, Giovanni. Sobre à micro-história. In: BURKE, Peter. (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.

MARQUES, Alexandre Bittencourt Leite. No “Coração das Terras”: os sertões da Capitania de Pernambuco e do Reino de Angola: representações, conexões e trânsitos culturais no Império Português (1750-1808). Tese (Doutorado em História) – Instituto de Informação e Formação Avançada, Universidade de Évora, Évora, 2019.

VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Posse de escravos e estrutura da riqueza no agreste e sertão de Pernambuco, 1777-1887. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 33, n. 2, p. 353-393, abr./jun. 2003.

CRONOGRAMA